Toda brincadeira sempre tem um fundo de verdade.



Eu sempre acreditei naquela máxima que diz o seguinte: “Toda brincadeira, tem um fundo de verdade! ”. Propriamente pelo fato de que se trata de usar de uma linguagem lúdica para dizer algo fazendo uso de eufemismos. E nada me tira a razão de associar isso ao modo como nasceu o humor, no sentido de recurso expressivo.

Sua origem remonta a era grega das encenações em praça pública, de onde se originou também a tragédia. Daí vem o termo “tragédia grega”. As encenações teatrais no apogeu grego eram em sua grande maioria representações críticas da vida na “pólis”. E o principal alvo dessas críticas era a elite grega.

A comédia sofreu grande influência dessa prática teatral que visava denunciar o modus operandi da elite grega, onde fazia uso do sarcasmo e da ironia para fazer suas críticas. A comédia moderna descaracterizou esses elementos quando passou a ter como único objetivo o “riso”. E, atualmente os comediantes buscam a todo o custo o “riso” de sua audiência. Nem que para isso tenham que ofender e humilhar pessoas que estejam em condição de vulnerabilidade social/econômica.

É comum que hoje em dia, na comédia moderna, seus adeptos usem como recursos cômicos o deboche e a depreciação afim de provocar “risos”, embasados num sentimento de superioridade sobre aquele que se torna seu alvo. E, frequentemente, o alvo de certos comediantes são as mulheres, os negros, os gordos, os homossexuais, as pessoas com baixa instrução, as pessoas de classe social desfavorecida, sempre usando suas falas para fazer pouco caso da situação de vulnerabilidade que vivem esses grupos sociais/econômicos marginalizados pela sociedade.

A comédia que antes tinha como alvo a elite e sua ganância por poder, agora é usada para escarnecer aqueles que estão mais frágeis dentro das relações sociais de poder que permeiam o coletivo humano, e conservar o poder daqueles que sempre usaram esses grupos para a manutenção de seu luxo.

Antes a força era usada para oprimir aqueles que nasciam sob esses signos sociais que são considerados indignos, como no caso daqueles que não se enquadravam nos moldes de gênero, ou daqueles que possuíam cor de pele e características físicas fora do padrão posto. Mas quando se começou a ter uma visão mais clara do quão repulsivo era o tratamento dado a essas pessoas, a resistência começou a tomar forma. Hoje temos movimentos feministas que lutam pela emancipação das mulheres, e contra a imposição de papéis de gênero e a opressão social. Temos os movimentos étnicos que visam reparar o prejuízo sofrido por séculos de exploração e violência contra negros e índios. E também temos os movimentos da comunidade LGBTTQIA (sigla que representa a união de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, queers, intersexuais e assexuais, na luta contra o preconceito de gênero e orientação sexual).

Com todos esses movimentos de resistência, as pessoas antes marginalizadas, agora ganhavam voz. E começaram a fazer uso dessa voz para denunciar as humilhações e perseguições a que eram submetidas. Contudo, uma vez sendo a comédia uma expressão não só artística, mas também de representação de poder, tanto para criticar, como para conservar, se viu por seus adeptos, sendo “ataca” por grupos que antes eram usados por eles como alvo de desprezo e gozação.

Foi desse sentimento de ataque que se iniciou um discurso contra o que começaram a chamar de “politicamente correto”, onde alegavam cerceamento da sua liberdade de expressão. Contudo, esses tipos não compreendem que a “liberdade de expressão” foi criada para justamente dar vez a aqueles que por conta de estarem em desvantagem social, não tinham como criticar aqueles que os oprimiam. Sendo assim, quem está numa situação de vantagem nunca será oprimido pelo discurso de quem denuncia sua prática abusiva. E essa prática está em usar da comédia para perpetuar signos sociais que desmerecem certos grupos, e beneficiam outros.

Usar a comédia para perpetuar preconceitos ou estereótipos subverte a essência dessa expressão artística, que tinha como prática exatamente o oposto disso, que era criticar a desigualdade de poder dentro da sociedade e denunciar os abusos de poder. E a comédia não pode mais ter o poder de diminuir pessoas por conta de seu gênero, cor/etnia, religião, origem social, etc. Fazer comédia baseado nesses elementos é fácil! Difícil é inspirar-se em mestres da comédia grega, como Aristófanes, que produziu a peça cômica “Os Acarnânios”, que tinha como objetivo apontar as inaceitáveis condutas dos governantes da pólis grega de Atenas, por meio da perspectiva de um simples camponês.

Costumo me apoiar num entendimento racional para tecer minhas críticas aos comediantes atuais, que é o de ver com bons olhos todo o humor baseado em ideias inteligentes que visem criticar a desigualdade de poder entre os grupos sociais existentes, sempre empoderando os vulneráveis e denunciando os tiranos. Pq essa sempre foi a essência da comédia, que nunca deveria ter sido abandonada por apego a valores ultrapassados ou por fama a qualquer custo.

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