A sensação do gostar e a ideia do ter

Gostar de algo/alguém nos liga emocionalmente, criando uma memória afetiva relacionada a esse algo/alguém. As memórias afetivas geralmente são importantes para que possamos guardar informações de que possamos nos recordar posteriormente. Aqui reconheço dois valiosos usos para as memórias afetivas: 1 - Guardar informações que ampliem a construção de nossa personalidade; 2 – Guardar informações que podem ser usadas para o aprendizado do nosso cérebro.

Sendo assim, vou usar o primeiro significado dado a importância da memória afetiva para desenvolver o assunto. Sabendo que o fato de criarmos interesse por algo/alguém, nos estimula a buscar obter informações sobre esse algo/alguém, é natural que acabemos desenvolvendo uma ligação emocional com esse algo/alguém.

Porém, quando esse gostar de algo/alguém ultrapassa os limites da normalidade, e desencadeia um comportamento obsessivo, isso cria no cérebro uma ideia de que esse algo/alguém deve ser nosso, nos tornando possessivos.

Quando ficamos obsessivos com algo/alguém criamos a ideia de que esse algo/alguém nos pertence. E quando criamos essa ideia de que algo/alguém nos pertence, temos a sensação de quem podemos fazer o que bem entendermos com esse algo/alguém. Contudo, essa ideia é reforçada pela ligação que criamos com esse algo/alguém, dando origem a memória afetiva. E quanto mais forte for a ligação, mais fundamental será para o cérebro manter essa memória afetiva.

Em consequência dessa obsessão se forma uma memória afetiva negativa, que é aquela sobre a qual se funde a sensação do gostar e a ideia do ter. Normalmente o indivíduo consegue dissociar essas duas noções. Contudo, quando o indivíduo se encontra numa situação que é influenciada por um contexto cheio de elementos constituídos de experiências passadas, pode-se formar um cenário propicio a necessidade de preencher uma carência que não se esgota na existência do indivíduo, e passa a exigir mais estímulos que reforcem o desejo do ter para saciar a sensação afetiva.

Isso nos impede de apenas nos satisfazer com a sensação, e nos leva a necessidade de ter poder sobre o algo/alguém. A necessidade de ter poder sobre esse algo/alguém é gerada pelo proposito de manter para si, do jeito que o algo/alguém é, sem que se altere nada em sua constituição. Tudo para que a emoção ocasionada pela posse do algo/alguém permaneça fiel a sensação inicial quando foi gerado o interesse.

Uma vez que a memória afetiva se constituiu dessa maneira, qualquer tentativa de alterar a essência do algo/alguém será vista como hostil, e será repudiada. Essa questão pode ser explicada pela tendência que os indivíduos têm de idealizar algo/alguém. Quando se idealiza algo/alguém, se cria uma falsa imagem de perfeição. Para identificar esse diagnóstico basta observar os comentários dos indivíduos confrontados com a realidade de mudanças no objeto de desejo, seja nas suas características concretas como nas suas características subjetivas.


Usarei um exemplo empírico: O desenho She-Ra sofreu alterações em sua concepção original, tendo sua história alterada e suas características visuais modificadas. Quando a promoção do desenho repaginado foi divulgada, muitos indivíduos se viram contrariados em suas expectativas, que se resumiam a manter o desenho repaginado o mais fiel possível ao original. Contudo, se a intenção fosse manter o desenho repaginado o mais fiel possível ao original, não haveria a necessidade de repaginar o desenho, logo sua existência seria inútil.

Não podemos acreditar que algo/alguém deva manter-se imutável para que nos sintamos no controle. Precisamos acabar com essa noção de que temos o controle sobre coisas que independer de nós. Pq acreditar nisso é acreditar numa ilusão! E aqueles que acreditam em ilusões, frustram-se insuportavelmente.

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